terça-feira, 15 de abril de 2014

Do que pôde ser visto, do que pôde ser tocado, do que pôde ser sentido, do que foi vivenciado, disto é feito a eternidade diária, a felicidade transitória, a tristeza passageira, o agora. Mesmo quando o dia findo, a noite ida, a madrugada vindo, um recomeçar à espreita que, no fundo, é só continuação. A narrativa pode ser refeita mesmo quando as palavras não. Troque a disposição das tuas frases, descubra o sinônimo mais adequado, ponha força no pensamento que te representa e beneficia... Experimente com inteireza cada estação do ano até que se possa estar cada vez mais presente em cada estação do dia.

Seja tão você até que ser tão feliz seja uma coisa só.

[Marla de Queiroz]

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Comunhão



"A distância e as vicissitudes da vida esgarçam, mas não (inter)rompem, os afins. O amigo é o olho que nos dá sentido, sem nos aprisionar. É a certeza da compreensão antecipada; do apreço atento, da surpresa infantil e do riso acolhedor. O amigo é a certeza da empatia, da comunhão, da condução e do suspiro. Amigo é adivinhação e apesar de. É transformação simultânea e um eterno conciliar, em poesia, de impossibilidades prosas. O amigo é a virilidade impotente de uma eternidade finita e fugaz. O amigo é o que há, em meio ao não-ser irredutível de todos nós. A amizade é a mais sublime ficção humana; na qual reside o melhor do que jamais seremos. Todo meu amor, carinho, admiração e gratidão."

[Artur da Távola]
Img: AnnaSophia Robb e Lindsay Gort in The Carrie Diaries - 2ª temporada



Casar cedo é como um rio que se retira para a outra margem, para alguma aldeia quieta e verdorosa, com crianças a fazer bolas de vento. A imensidão íntima coberta da forragem do limo. A limpeza da varanda. A mesa da janela e os passarinhos adivinhando o lugar das migalhas. 

Deseja-se passar toda a vida com o amor protegido, confiável, definitivo como o domingo preguiçoso. Não se prepara um plano alternativo, o casamento aumenta nossa idade. 
Mas casamentos terminam, e como voltar do exílio voluntário? Como ser jovem novamente? 

O corpo não é rijo, os seios estão estrábicos, a cintura aberta, as rugas e as varizes se desesperam com o verão. O amor perdoava o corpo. A companhia perdoava o tempo do meu corpo porque suas mãos masculinas faziam parte dele. 

O corpo é mais grave isolado, mais duro, menos meu. Mais exposto às denúncias do espelho. Sem um fiador que assegure a beleza da convivência. 

A impressão é que não se perdeu o marido, perdeu-se a mulher em si capaz de conquistá-lo. Perdeu-se o encantamento, a inconseqüência, o que fazia aproximar-me das pessoas sem desconfiança. Se eu me casei com dezoito anos e estou com trinta e dois, agora separada, agora com filho, como me curar de um desamor? Como retomar as festas e não ostentar a caça? Ele era meu colega de faculdade, havia a identificação, a sintonia, as afinidades em busca do diploma. Bastava aparecer e estávamos na mesma sala. A juventude fazia amigos com facilidade. Toda manhã na mesma aula. Havia tempo para se conhecer. Havia futuro. E agora? Quem me dará igual chance? Em uma noite, não consigo me mostrar. Não consigo convencer. Não consigo dizer tudo o que não quero repetir e o que quero melhorar nos quatorze anos de casamento. Não consigo manter-me atenta e interessada numa conversa tediosa. Minha paciência é para a nudez. Sozinha, não poderei encontrar um olhar cúmplice para sussurrar: "vamos embora?". Cheia de insegurança, precisarei tomar as decisões e soar independente. 

Eu ainda não me recuperei da frustração do casamento. Não que tenha sido ruim, foi bom enquanto acordados. Acabou e ainda me resta a dúvida se acabou ou desistimos de nos esforçar. Ou se acostumamos a dormir em camas separadas e sacrificamos a vontade mútua de anoitecer. Ele não mais conhecia o que vestia para ir trabalhar. Confundia minhas roupas velhas com as novas. A pior traição é a distância da cordialidade. A distância de uma perna a outra das palavras. 

Não posso voltar atrás, sobrava razão em me despedir. As oliveiras acenavam e não me diziam mais respeito. Esperava que ele voltasse diferente, ansioso, redimido de suas dívidas comigo, pronto a reiniciar. Ele só foi, chorou e foi, e não mais me procurou. Como se eu precisasse fazer o trabalho sujo por ele. Nem se separar ele conseguiu. Eu tive que me separar de mim no lugar dele. Ele não soube me reconquistar, muito menos terminar. 

Estou de volta mais cética, mais pessimista. Para amar, terei que reaver a fé. Fazer a mala e deixar a aldeia segura. Voltar à cidade grande da esperança. Não posso contar com as amigas casadas para sair. E não será fácil encontrar um homem que se dê bem com meu filho, que seja inteligente e humorado, que não me esqueça para falar unicamente de si. 

Como seduzo? Desculpa a pergunta, é falta de treino. Como seduzir sem parecer grosseira e atirada? Como me seduzir, principalmente?

[Fabrício Carpinejar]

terça-feira, 8 de abril de 2014

"Seu olhar é o próprio fim. A entrada que tanto espero e lamento, onde inclino meus braços, lavo as mãos, belisco as noites e atravesso todos os dias de março, abril, maio e suas pedras. Projeto o mundo. Abraço aragens – feito um móbile solto, suspenso no teto da sala. Seu olhar é o próprio fim, onde envelheço e morro diariamente. E recomeço úmida e indiferente ao rio que passa."

[Priscila Rôde]

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