domingo, 13 de maio de 2012

Para minha mãe

"Minha mãe, pra mim, é sol mesmo quando chove. É chuva, com direito a cheiro de terra molhada do quintal lá de casa, quando tudo fica árido. Silêncio capaz de amansar ruídos que eu não sei como fazer dormir. Voz que me ajuda a acordar esperanças quando elas ficam com preguiça de levantar. Uma presença que sabe acender o meu ânimo quando o breu se esparrama. Primavera para o meu olhar, não importa qual seja a minha estação. Um perfume inigualável. Ela e as coisas todas do mundo dela. Quando chega, traz lembranças minhas que apenas ela reflete e apenas eu consigo ver. Uma espécie de poema que o sentimento lê em voz alta somente para dentro. 

[...] 

Minha mãe é maciez pra minha alma quando a vida se faz áspera e quando não. Um lugar de conforto, onde eu posso ser. Amor, quando as minhas folhas caem e quando floresço. A mesa sempre posta, até quando sinto fome apenas de lembrar quem sou. 

Estou convencida de que ninguém me conhece melhor do que ela. Sente a emoção da vez, antes da minha voz. Sente quando omito alguma coisa, por mais sofisticados que sejam os meus disfarces. Sente a atmosfera da minhas palavras, antes que eu consiga ou resolva dizê-las. Conhece mais variações de sorrisos, silêncios e olhares meus e suas respectivas mensagens do que suponho mostrar. Ela não me conhece assim porque é versada em psicologia. Minha mãe é versada em mim, desde quando eu ainda nem era eu direito. 

Parece ser especialista em previsões climáticas. Chove, quando não lembro do chapéu e ela diz pra eu não esquecer. Faz um frio absurdo, de repente, quando não levo o casaco e ela diz pra eu levar. Geralmente costuma doer quando alerta que vou me machucar e eu não ligo. [...] Mas a verdade é que mãe parece mesmo ter um olhar diferente. Capaz de ver coisas que quaisquer outros olhos do mundo não sabem enxergar. Nem os nossos. 

Minha mãe cantou para me fazer adormecer. Ensinou-me, com toda a paciência, a rezar para o meu anjo da guarda antes de eu dormir e de levantar da cama. Ensinou-me a respeitar o espaço das pessoas, a ser educada com gente de toda idade, a ser cuidadosa com as plantas e os bichos, a não me apropriar de nada que não me pertencesse. De mãos dadas, seguíamos pelas ruas e seguir de mãos dadas com ela pelas ruas era uma espécie de festa que acontecia toda manhã. Encapava meus cadernos. Perguntava o que havia acontecido na escola quando percebia que eu havia chorado, mas não contava para ela. De vez em quando, me surpreendia com meus lanches preferidos enquanto eu assistia "Sessão da Tarde": bolo "Ana Maria"... bolinhos de chuva.[...] E quando eu sentia cólicas terríveis, lá estava ela, com seu chá de erva-cidreira e as toalhinhas quentes que passava a ferro para pôr sobre a minha barriga. Às vezes é preciso que o mundo dê algumas voltas e a gente amadureça um pouco para ser capaz de leituras mais amorosas sobre um bocado de coisas. Leituras com braços e coração mais abertos..."

[Ana Jácomo]

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