sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Independência

Nossa liberdade é parcial, todos sabem. Não me refiro ao país, e sim à nossa liberdade individual, minha e sua. Sempre que toco nesse assunto me vem à cabeça aquela frase que citei outras vezes: 'O máximo de liberdade que podemos almejar é escolher a prisão em que queremos viver.' É isso aí. E quais são essas prisões? Pode ser um casamento, ou, ao contrário, um compromisso com a solidão. Pode ser um emprego ou uma cidade que não conseguimos abandonar. Pode ser a maternidade. Pode ser a política. Pode ser o apego ao poder. Enfim, todas as nossas escolhas, incluindo as felizes, implicam algum confinamento, em alguma imobilidade, e não há nada de errado com isso, simplesmente assim é a vida, feita de opções que nos definem e nos enraizam.


Mas às vezes exageramos. Costumamos nos acorrentar também a algumas certezas e pensamentos como forma de dizer ao mundo quem somos. É como se redigíssemos uma constituição própria, para através dela apresentar à sociedade nossos alicerces: sou contra o voto obrigatório, sou a favor da descriminação das drogas, sou contra a pena de morte, sou a favor do controle de natalidade, sou contra a proibição do aborto, sou a favor das pesquisas com célula-tronco. Esse é apenas um exemplo de identidade que forjamos ao longo da vida. Você deve ter a sua, eu tenho a minha.

Dá uma segurança danada saber exatamente o que queremos e o que não queremos, no que cremos e no que desacreditamos. Mas onde é que está escrito, de fato, que temos que pensar sempre a mesma coisa, reagir sempre da mesma forma?

Ao trocar de opinião ou de hábitos, infringimos nossas próprias regras e passamos adiante uma imagem incômoda: a de que não somos seres confiáveis. As pessoas à nossa volta já haviam aprendido tudo sobre nós, sabiam lidar como nossos humores e nossos revezes, estava tudo dentro do programa e, de repente, ao mudarmos de idéia ou fazermos algo que nunca havíamos feito, subvertemos a ordem natural das coisas.

Quando visito algumas escolas, encontro estudantes um pouco assustados com as escolhas que farão e que lhe parecem definitivas. Tento aliviá-los: pensem, repensem, mudem quantas vezes vocês quiserem, é permitido voltar atrás. Digo isso porque eu mesma já reprimi muito meus movimentos, minhas alternâncias, numa época em que eu achava que uma pessoa séria tinha que morrer com suas escolhas. Ainda há quem considere leviana a pessoa que se questiona e se contradiz, mas já bastam as prisões necessárias - para que cultivar as desnecessárias?

Optei pelas medidas provisórias. Por isso, todos os anos eu faço uns picotes na minha constituição imaginária e jogo os pedacinhos de papel pela janela: é assim que comemoro o Dia da Independência. Da minha. 


[Martha Medeiros]

4 sentimentos:

Fabi disse...

Excelente texto em td o que vc disse,nós sempre estamos amarrados a alguma coisa ou a alguém,e nos esquecemos que se quisermos podemos deixar de que isso aconteça,o mesmo equivale a profissão eu acho que é complicado escolher áquela profissão porque é uma coisa que você tem que lidar com o resto de sua vida,como um casamento e terá que ser feliz com ela,mas há tantas profissões que dá para entender das pessoas ficaram indecisas.Eu mesma já fiquei assim.Refleti um bocado desse seu texto e bom feriado!!

www.pedradosertao.blogspot.com disse...

Oi, Rebecca, Vou postar o mesmo comentário que deixei lá no blog do Fabrício...texto muito bom para refletirmos!


Eu tenho uma irmã que parece estar no início de seu texto. Quando envio fotos de nossa infância, ela só reclama das broncas, da infelicidade da infância, da implicância dos meninos e meninas da escola...coisas assim. Me assusta um pouco isso, porque estava ali, junto dela, e tenho uma compreensão totalmente oposta. Mesmo com a pobreza, a dor de muitas perdas, das dificuldades, minha memória é cheia dessa leveza de que você fala. Muito bom sempre vir aqui e ler seus textos!

Abraço do Pedra

Flor disse...

Fiquei muito feliz com seu comentário. Pois Pedra, eu coloquei o texto do Fabrício aqui no blog pq acho extremamente importante refletirmos sobre esse assunto e avaliarmos a maneira que a gente vê as coisas na nossa vida. Temos que ter mais leveza e dar mais credibilidade as boas lembranças, com certeza deve ter muita coisa boa na vida dela, mas ela só se predeu as difíceis. Isso é ruim pra ela e pra os que estão em volta.Todos temos problemas, perdas, eu conheço gente que já sofreu e perdeu muito nessa vida, mas muito mesmo, mas superaram e sempre tem um sorriso e uma bondade no rosto. É uma coisa linda de se ver e se admirar, conheço uma pessoa que apesar de tudo que sofreu e ainda sofre só quer ajudar os outros e apesar da mesma pobreza e perda que vc viveu e ela também, sua irmã deveria lembrar o que teve de bom, assim como vc faz. A mente humana é uma charada e para se alcançar essa leveza temos que ter muita fé em nós mesmos e na vida, que ela pode ser bela!

bjus

Flor disse...

ahhh o comentário sobre o texto do Fabrício ficou no post da crônica da MArtha Medeiros, mas não importa, toda forma de pensamente é válida! Ainda mais quando nos engrandece desse jeito!!!

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