quinta-feira, 18 de setembro de 2014


Porque sei bem que, de mim, quando o sol novamente encontrar meu sol, talvez no próximo verão, quem sabe daqui a setenta verões, também estarei partindo: completa.

(...)Atravessaria o dia meio cega para descobrir vagamente que, além das mentiras, terias deixado em mim a semente de uma história complicada, esta, que arrastei durante doze longos meses, até que todos brotem, até enfim te concluir primário, tosco, terrês, nunca capaz de compreender que além desta nítida dor cravada que por muitas vezes beirou a morte, porque te queria como se quer, humanamente, a solução de Deus no Outro, deixavas também um encontro que não aconteceu, que talvez nada esclareça, porque tudo é de vidro, porque brotou da confusão apaixonada que despertasse em mim, que te julguei esclarecendo a vida, peça final de um quebra-cabeça, peça inicial de outro, de um excesso para sempre incompletos, mas que ficará, ainda que ninguém o entenda, esses ramos, esses castelos, como não ficaste, porque eras só mensagem de algo que ainda não sei, isso sei agora, o que não saberei, passageiro como o passo de um bailarino em seu curto vôo, porque minha fantasia ultrapassa tua dança... 

Quando voltar setembro, tudo estará acabado, pronto para refazer-se. Comecei a escrever sem saber o que dizia, e não parei. Não morri nem enlouqueci. O que invento me ultrapassa sempre. E tem asas.”

[Caio Fernando Abreu - Dodecaedro]
Img: Marilyn Monroe



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